Artes Marciais x Lesões

13/03/2012 22:34

 

                Um dos mais conceituados lutadores de MMA, Anderson Silva, deu uma entrevista há uns dias em que comentou que sempre tem receio de se machucar e se cuida para evitar qualquer tipo de contusão desnecessária, seja em combate ou seja nos seus treinos, pois mais vale sua saúde do que uma vitória.

                Isso foi um dos melhores exemplos dado por um profissional de UFC, pois a maioria das pessoas acreditam que os praticantes de Artes Marciais periodicamente estarão machucados graças a violência dos golpes ou dos treinos, uma vez que as Artes Marciais são atividades físicas originárias de técnicas eficientes de luta que um dia foram utilizadas por guerreiros em batalhas.

                Contudo, isso não é bem uma verdade. Claro que durante um combate, seja em treino, em competição ou na defesa pessoal, lesões, contusões, estiramentos, contraturas e machucados mais sérios podem acontecer, mas o intuito do praticante marcial não é viver lesionado ou machucar seu oponente.

O treino marcial é muito mais do que bater e apanhar, do que fazer doer e quebrar ou subjulgar, é também, o auto-conhecimento dos seus limites e em função disso, conseguir enxergar os limites do seu adversário.

                Conhecer seus limites não gira somente em quantas flexões de braço se consegue fazer, ou em quantas vezes se consegue derrubar uma pessoa com o dobro do meu tamanho, mas também como treinar eficientemente sem se machucar e sem causar o mesmo nos meus companheiros.

                Isso pode soar como uma filosofia humanística sem cabimento, mas quanto vale você se machucar em menos de 1 segundo tentando fazer algo ao qual você não está preparado? E, por causa disso, ficar 15 dias tomando anti inflamatórios, de repouso, sem treinar?

                Treino é continuidade, toda vez que você falta um treino, você quebra o ritmo do seu corpo e da sua mente, você dá uma parada na sequencia de desenvolvimento de coordenação e de interiorização da técnica, então, quanto vale se machucar por um movimento ou o uso de força excessiva?

                Quando alguém se machuca, normalmente acontece do aluno não voltar a treinar até estar recuperado ou, pior ainda, continuar tentando treinar mesmo machucado. Uma grande parte dos praticantes de Artes Marciais, por desenvolverem uma grande força de vontade e resistência a dor, continua fazendo os exercícios concomitante com anti inflamatórios.

                Isso, apesar de parecer de muita valentia e nobreza, apenas faz com que o corpo demore mais a se recuperar, se desgaste e não renda com qualidade no treino. Mais que isso, as vezes uma lesão simples, pelo esforço, acaba se tornando uma lesão mais grave e, com o tempo, retirando o aluno do treino por um período muito maior. Algumas vezes, ficam impossibilitados de voltar a praticar a Arte.

                Infelizmente isso acontece muito hoje em dia, mesmo porque, entre os 16 a 25 anos, a maioria dos praticantes está no seu auge físico e dificilmente pensam em não se machucar e quais serão as consequencias. Contudo, o tempo passa, nós envelhecemos e ao invés de sabedoria e experiência, o corpo vai cobrar o desgaste que sofreu na juventude.

                Frequentemente pessoas com reumatismo por calejamento, com tendinite por esforço com pesos, com desgastes em articulações por repetições de forma errada, fora outros males, são mais presentes nos meios marciais, fora os que tem pinos, placas, fios de aço e que passaram por cirurgias severas antes mesmo dos 30 anos.

Outro problema dos machucados é o excesso de competitividade. Durante um treino marcial deve ser preocupação de todos se manterem saudáveis, mesmo porque se trata de uma atividade que visa manter o corpo e a mente sã. Mais que isso, é um treino, ou seja, você está coordenando e se adaptando as técnicas, bem como a psicologia de combate.

            Todavia isso não é muito fácil, pois o espírito competitivo animado pode, muitas vezes, provocar lesões simplesmente pelo desafio de subjulgar o companheiro de treino, lidar com esse tipo de acidentes e machucados faz parte da realidade tanto dos alunos quanto dos professores.

            Então, como lidar com a falta de auto-controle do seu colega? Muitas vezes é preferível deixar-se finalizar do que ter uma hiperextensão do braço, ombro, perna ou um nariz quebrado ou um desmaio, mas isso é decisão de cada um. Normalmente duas pessoas muito competitivas medem força até o final e quando uma delas pensa em parar, seu corpo já extrapolou o limite e ele mesmo vai obrigar a parar, mas aí será tarde demais. Para quem desiste parece soar como covardia, para quem consegue subjulgar, soa como uma vitória, mas no fundo ambos perdem.

            Aquele que se machucou, o prejuízo é a dor e o tempo de recuperação em que ficará sem treinar, alguns tem até ressaca moral por se sentir “vencido”. Aquele que machucou o colega na ânsia de vencer, perde a possibilidade de treinar com aquele amigo por certo tempo. Em alguma academias isso não vem a ser um problema, pois há muitos alunos para realizar treino dois a dois, em outras academias, existem poucos companheiros de treinos, o que dificultará o desenvolvimento dos que ficaram. Porém mesmo aqueles que tem muitos colegas, perdem, pois cada pessoa é única para ensinar variações de combate, e perder um colega é eliminar uma chance a mais de aprendizagem e de ampliar o leque de opções técnicas. Um lutador experiente é aquele que combateu com vários e interiorizou as diferenças e diversidade dos oponentes.

                Lesões ocorrem em qualquer atividade física, incluindo em atividades corriqueiras como levantar da cama, empurrar o armário, levantar uma caixa pesada e outros. Graças a isso devemos tormar cuidado com nossa movimentação e ainda mais com o preparo para o início de uma prática física. Hoje em dia sabe-se que é de bom tom alongar e aquecer-se antes de qualquer atividade, esse preparo permite que o corpo sofra menos com a musculatura fria.

Da mesma forma para se iniciar qualquer treino de Artes Marciais é importante essa preparação, não só física como psicológica para dar continuidade a prática. A má orientação dessa primeira fase do treino muitas vezes traz contusões que poderiam ter sido evitadas com um simples aquecimento.

                Alguns alunos e mesmo certos instrutores deixam a desejar essa parte inicial levando praticantes aos machucados. Um treino em que os alunos se machuquem dia sim, dia não,  com certeza traz a dúvida de que está sendo bem orientado durante a prática. O fato de ser um treino duro e intenso não justifica lesões constantes. Mas, claro, também não significa que os treinos marciais tenham que deixar suas práticas disciplinares, físicas e psicológicas, algumas vezes consideradas severas ou exaustivas, mas sim que sempre sejam realizadas com bom sendo pelos seus praticantes, respeitando o limite de cada um e desenvolvendo a técnica e não a brutalidade.

                Afinal, o bom guerreiro era sempre aquele que ia para a guerra e retornava são, salvo e pronto para a próxima batalha, com espírito e corpo em harmonia.