Tradição Kuden, Okuden, Hiden e Kokoro kara Kokoro

20/07/2011 09:50

Inicialmente, como a maioria das civilizações, os japoneses possuíam a linguagem oral, mas não os símbolos para representá-los. A partir do contato com a cultura chinesa, posteriormente, no período Nara e Heian, os japoneses passaram a desenvolver a escrita e iniciaram a produção de textos que se tratavam de registros da palavra oral. No entanto, além desses manuscritos serem escassos e, especialmente, pelo próprio traço cultural, o Japão desenvolveu fortemente a tradição do Kuden (口伝 – transmissão oral), ou seja, o ensino e a aprendizagem transmitidos pela oralidade por meio de histórias, contos, teatros, lendas, simples conversas, passeios e outras expressões corporal e oral que comunicassem fatos, valores e costumes sociais.

            A transmissão de conhecimentos pelo Kuden era resultante da sabedoria da prática, da experiência daquele que passava o ensinamento, muitas vezes, lembrando que essa experiência remontava gerações e gerações de antecessores, mais que isso, que o ensino oral para novos discípulos, manteriam as tradições e o conhecimento vivo.

            Quando o mestre transmitia o conhecimento em Kuden, o discípulo deveria se sentir honrado e guardar o ensinamento como algo de grande valia. Ao discípulo, cabia ouvir e tentar compreender. Dessa forma, o mestre podia escolher quando, como e para quem ensinar. O Kuden permitia um controle do que era ensinado e para quem era ensinado, o que, em vários momentos da história japonesa, se tornou importante para manter em segredo o que não podia cair em mãos erradas, sejam eles, adversários políticos e/ou guerreiros, impedindo que esses pudessem conhecer e estudar os intuitos ou técnicas de combate de um determinado grupo.           

De forma mais subjetiva, existe também o termo Okuden (奥伝 – transmissão interior), usado para transmissão de ensinamentos por meio de documentos e referências sobre o caminho do discípulo (Ryusha). O mestre concedia o ensinamento Okuden ao discípulo de sua maior confiança, naquele que poderia transmitir os conhecimentos mantendo-se fiel à tradição.

Isso retrata claramente a importância do contato e do convívio com o mestre, experiência que nenhum manual, apostila, site, post em orkut ou livro trará ao discípulo. Ainda porque a compreensão dos ensinamentos varia de pessoa a pessoa e isso faz com que, nas artes marciais, as técnicas se tornem dinâmicas a um ponto que em menos de seis meses surjam tantas variações da mesma técnica que não se saiba mais qual era a fundamental (por isso a importância do ensinamento com respeito a tradição e a importância do mestre).

Além disso, é importante dizer que o imenso fluxo de informações que existe hoje em dia atrai e permite que as pessoas façam uso dos conhecimentos da forma que melhor convier, muitas vezes distorcendo e manipulando, em especial na internet, quando uma simples palavra, por melhor que seja a sua intenção, pode se transformar numa bola de neve de grandes proporções.

Há ainda o Kokoro kara Kokoro”, ou seja, “transmitir de coração a coração” utilizado pelos mestres quando entendem que o discípulo não precisa de palavras para compreender, são lições silenciosas. Transmitir de coração para coração é utilizado em diversas Artes Marciais tradicionais e também em Artes Clássicas como o Ikebana e o Chado, em que o aprendiz incialmente repete os movimentos do professor de forma mecânica e aos poucos desenvolve sensibilidade para enxergar o que não pode ser visto sem o mínimo de experiência, observação e harmonia com o mestre e com a arte. Essa é a forma mais pura de se ensinar tradicionalmente, pois são ensinamentos que podem ser transmitidos somente por quem compreendeu e para aquele que deseja compreender, bem como manter viva essa tradição.