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Mokuso

02/07/2013 16:56

Mokuso

Moku (silenciar) So (pensamento)

 

Mokuso é um termo típico de Budôs, que significa harmonizar, silenciar, tranquilizar a mente, os pensamentos. Às vezes é confundido com um período de meditação, isso porque durante o Mokuso as pessoas ficam em silêncio, as respirações se acalmam e todos estão em postura meditativa, entretanto o Mokuso deve ser visto mais como um comando de transição do que uma chamada de meditação propriamente. Apesar de não ser visto como uma meditação em si, o Mokuso carrega uma carga Zen muito forte, assim muitos falam do Mokuso como a própria prática Zen-budista do “ser e não ser”, do “estar sem estar”. Talvez por isso, a grande parte dos artistas marciais o trate como uma prática meditativa e, alguns, até de forma religiosa.

Contudo, não há nada místico ou uma busca pela “iluminação” no Mokuso, há um comando para que momentaneamente limpemos nossas mentes dos nossos assuntos diários, para que nos concentremos na prática marcial e para que guardemos o que foi aprendido de satisfatório no treino e possamos voltar aos nossos demais afazeres. Por isso o Mokuso é uma transição entre atividades, sejam elas quais forem, nos preparando para mais um momento a ser vivenciado.

No Mokuso está incluso o preceito oriental de que “cada momento é único”, este mesmo preceito é encontrado em artes como o Kyudo (Caminho do Arco: “uma flecha, uma vida”), Ikebana e o Chado (Caminho do Chá: “ichi-go, ichi-e”; “cada encontro, uma chance”). Ou seja, o Mokuso lembra ao praticante que aquele momento será único: com uma lição, com certos colegas. Mesmo que no dia seguinte o aluno retorne ao treino, no mesmo horário, com o mesmo professor, será outro momento, com outra lição, o próprio aluno estará diferente, seus colegas (por mais que sejam os mesmos) também serão diferentes e, graças a isso, deve-se aproveitar ao máximo e se concentrar na sua prática, pois passado aquele momento, ele jamais se repetirá.

Algumas pessoas dizem que no Mokuso deve-se “acalmar o espírito”, limpar a mente de todos os pensamentos mundanos.  Isso dá uma visão equivocada ao praticante que passa a acreditar que todos seus afazeres cotidianos devem ser separados do Dojo e da prática marcial. Pelo contrário, é apenas um momento de concentração para uma atividade, para poder vivenciá-la da melhor forma possível e, depois, levar consigo como as demais ações do dia a dia.

Dizer “esvaziar” ou “silenciar” a mente parece fácil, mas a verdade é que quanto mais se tenta deixar a mente vazia, mais os pensamentos, preocupações, dúvidas se remontam. Deixe os pensamentos fluírem livremente e eles cessarão quando menos perceber, pode-se nunca atingir a “não-mente”, mas efetivamente concentrar-se para uma atividade é essencial e justamente para as práticas marciais – em que se aprende vivenciando – é fundamental.

O Mokuso é algo que deve ser levado para fora do Dojo, em vários aspectos da vida e nas atividades de rotina, sempre aproveitando ao máximo o momento, as pessoas e sendo capaz de viver com consciência. O momento nunca deve ser desperdiçado. 

"Do" - a essência da cultura japonesa

24/12/2012 18:29

"Na sociedade japonesa a Arte não é feita para ver, mas sim para viver e, desta forma, toda ação, mesmo a mais cotidiana e banal, é permeada de um profundo senso estético, de muito refinamento, elegância e sofisticação. Exatamente por isso o fio condutor proposto extrapola a classificação da arte ociental: artes plásticas (pintura, desenho, gravura, escultura), música, teatro, cinema, dança...

Na essência do pensamento japonês estão duas características: a noção da impermanência e a busca da perfeição. Esta prática de fazer sempre o melhor é chamada de "Do" (caminho). A união destes dois aspectos criou uma cultura na qual uma grande capacidade de adaptação é aliada a uma intensa preservação de costumes; o resultado é uma cultura moderníssima e atemporal na qual a tecnologia de ponta convive com a tradição."

O comprometimento da cultura japonesa com a noção do "Do" e o alcance espiritual que pode se manifestar em diversas práticas, desde a Ikebana (caminho das flores), o Chado (caminho do chá), o Shodo (caminho da escrita), até os caminhos marciais, em que por meio do treino físico se almeja alcançar o aperfeiçoamento não meramente muscular, mas principalmente melhorar a moral e a espiritualidade. 

A noção da impermanência, do perfeccionismo e da Arte não para ser vista, mas sim vivida são arraigados nas Artes Marciais japonesas. Em termos simples, como exemplo:

impermanência é o que o adversário lhe traz de surpresa, a inconstância de um combate, o minuto em que se vence ou que se pode perder, a dualidade.

O perfeccionismo é o treino repetitivo até se tornar eficiente, até surgir o refinamento invisível ao leigo, até a técnica ser incorporada e se tornar instintiva.

A Arte para ser vivida é quando o aluno não pratica apenas no seu Dojo ("local da iluminação", local de treino), o praticante não tem moral e ética ilibada apenas ali naquele ambiente, mas sim em todos os campos da sua vida; leva consigo, para onde for: honra, disciplina, respeito, espírito inabalável, tranquilidade, perseverança e a tudo que se compromete fazer, faz como a Arte para ser vivida e não apenas para ser vista, todas suas atitudes são realizadas da melhor maneira possível. 

(Excerto do Projeto da Exposição de Comemoração do Centenário de Imigração japonesa no Brasil, 2008. Com adaptações)

Kyudoshin - Espírito de Busca

11/05/2012 16:33

 

"Meishu Sama disse:

    - 'Eu ensino uma coisa mas a compreensão do que falei vai depender do nível espiritual de quem ouve. Um homem de certa altura poderá compreender de certa maneira; uma pessoa de menor nível poderá interpretar de outra. As pessoas aprendem com palestras, aulas, lendo, etc, porém a melhor maneira de aprender as coisas mais importantes, é aprender de tudo em qualquer circunstância.'

É isso que chamamos de KYUDOSHIN, isto é, um esforço incansável na procura do caminho verdadeiro ou sabedoria verdadeira. KYU significa desejar, procurar. DO significa caminho, e SHIN significa coração. Em outras palavras: o coração que deseja procurar o caminho certo.

O valor dos religiosos, seja de que religião for, depende do tamanho do seu KYUDOSHIN. Quem tem KYUDOSHIN desenvolve, quem não tem, não adianta ter o melhor mestre do mundo, que não vai para a frente; e quem tem KYUDOSHIN pode ter o pior mestre que se desenvolve. Tudo o que vê, ouve, todas as suas faltas e tudo o que se passa em volta, é aprendizagem, aprimoramento.

Quem tem KYUDOSHIN está alerta a todos os acontecimentos e como sempre tem o objetivo de se aprimorar, então todas as coisas que olha, ouve e lê, procura saber ligar com o seu aprimoramento e pensa o que vai aprender com o que está acontecendo. Encontrará, assim, mestres em todos os lugares e em todas as pessoas."

(Texto de Mokiti Okada)

 

 

Artes Marciais x Lesões

13/03/2012 22:34

 

                Um dos mais conceituados lutadores de MMA, Anderson Silva, deu uma entrevista há uns dias em que comentou que sempre tem receio de se machucar e se cuida para evitar qualquer tipo de contusão desnecessária, seja em combate ou seja nos seus treinos, pois mais vale sua saúde do que uma vitória.

                Isso foi um dos melhores exemplos dado por um profissional de UFC, pois a maioria das pessoas acreditam que os praticantes de Artes Marciais periodicamente estarão machucados graças a violência dos golpes ou dos treinos, uma vez que as Artes Marciais são atividades físicas originárias de técnicas eficientes de luta que um dia foram utilizadas por guerreiros em batalhas.

                Contudo, isso não é bem uma verdade. Claro que durante um combate, seja em treino, em competição ou na defesa pessoal, lesões, contusões, estiramentos, contraturas e machucados mais sérios podem acontecer, mas o intuito do praticante marcial não é viver lesionado ou machucar seu oponente.

O treino marcial é muito mais do que bater e apanhar, do que fazer doer e quebrar ou subjulgar, é também, o auto-conhecimento dos seus limites e em função disso, conseguir enxergar os limites do seu adversário.

                Conhecer seus limites não gira somente em quantas flexões de braço se consegue fazer, ou em quantas vezes se consegue derrubar uma pessoa com o dobro do meu tamanho, mas também como treinar eficientemente sem se machucar e sem causar o mesmo nos meus companheiros.

                Isso pode soar como uma filosofia humanística sem cabimento, mas quanto vale você se machucar em menos de 1 segundo tentando fazer algo ao qual você não está preparado? E, por causa disso, ficar 15 dias tomando anti inflamatórios, de repouso, sem treinar?

                Treino é continuidade, toda vez que você falta um treino, você quebra o ritmo do seu corpo e da sua mente, você dá uma parada na sequencia de desenvolvimento de coordenação e de interiorização da técnica, então, quanto vale se machucar por um movimento ou o uso de força excessiva?

                Quando alguém se machuca, normalmente acontece do aluno não voltar a treinar até estar recuperado ou, pior ainda, continuar tentando treinar mesmo machucado. Uma grande parte dos praticantes de Artes Marciais, por desenvolverem uma grande força de vontade e resistência a dor, continua fazendo os exercícios concomitante com anti inflamatórios.

                Isso, apesar de parecer de muita valentia e nobreza, apenas faz com que o corpo demore mais a se recuperar, se desgaste e não renda com qualidade no treino. Mais que isso, as vezes uma lesão simples, pelo esforço, acaba se tornando uma lesão mais grave e, com o tempo, retirando o aluno do treino por um período muito maior. Algumas vezes, ficam impossibilitados de voltar a praticar a Arte.

                Infelizmente isso acontece muito hoje em dia, mesmo porque, entre os 16 a 25 anos, a maioria dos praticantes está no seu auge físico e dificilmente pensam em não se machucar e quais serão as consequencias. Contudo, o tempo passa, nós envelhecemos e ao invés de sabedoria e experiência, o corpo vai cobrar o desgaste que sofreu na juventude.

                Frequentemente pessoas com reumatismo por calejamento, com tendinite por esforço com pesos, com desgastes em articulações por repetições de forma errada, fora outros males, são mais presentes nos meios marciais, fora os que tem pinos, placas, fios de aço e que passaram por cirurgias severas antes mesmo dos 30 anos.

Outro problema dos machucados é o excesso de competitividade. Durante um treino marcial deve ser preocupação de todos se manterem saudáveis, mesmo porque se trata de uma atividade que visa manter o corpo e a mente sã. Mais que isso, é um treino, ou seja, você está coordenando e se adaptando as técnicas, bem como a psicologia de combate.

            Todavia isso não é muito fácil, pois o espírito competitivo animado pode, muitas vezes, provocar lesões simplesmente pelo desafio de subjulgar o companheiro de treino, lidar com esse tipo de acidentes e machucados faz parte da realidade tanto dos alunos quanto dos professores.

            Então, como lidar com a falta de auto-controle do seu colega? Muitas vezes é preferível deixar-se finalizar do que ter uma hiperextensão do braço, ombro, perna ou um nariz quebrado ou um desmaio, mas isso é decisão de cada um. Normalmente duas pessoas muito competitivas medem força até o final e quando uma delas pensa em parar, seu corpo já extrapolou o limite e ele mesmo vai obrigar a parar, mas aí será tarde demais. Para quem desiste parece soar como covardia, para quem consegue subjulgar, soa como uma vitória, mas no fundo ambos perdem.

            Aquele que se machucou, o prejuízo é a dor e o tempo de recuperação em que ficará sem treinar, alguns tem até ressaca moral por se sentir “vencido”. Aquele que machucou o colega na ânsia de vencer, perde a possibilidade de treinar com aquele amigo por certo tempo. Em alguma academias isso não vem a ser um problema, pois há muitos alunos para realizar treino dois a dois, em outras academias, existem poucos companheiros de treinos, o que dificultará o desenvolvimento dos que ficaram. Porém mesmo aqueles que tem muitos colegas, perdem, pois cada pessoa é única para ensinar variações de combate, e perder um colega é eliminar uma chance a mais de aprendizagem e de ampliar o leque de opções técnicas. Um lutador experiente é aquele que combateu com vários e interiorizou as diferenças e diversidade dos oponentes.

                Lesões ocorrem em qualquer atividade física, incluindo em atividades corriqueiras como levantar da cama, empurrar o armário, levantar uma caixa pesada e outros. Graças a isso devemos tormar cuidado com nossa movimentação e ainda mais com o preparo para o início de uma prática física. Hoje em dia sabe-se que é de bom tom alongar e aquecer-se antes de qualquer atividade, esse preparo permite que o corpo sofra menos com a musculatura fria.

Da mesma forma para se iniciar qualquer treino de Artes Marciais é importante essa preparação, não só física como psicológica para dar continuidade a prática. A má orientação dessa primeira fase do treino muitas vezes traz contusões que poderiam ter sido evitadas com um simples aquecimento.

                Alguns alunos e mesmo certos instrutores deixam a desejar essa parte inicial levando praticantes aos machucados. Um treino em que os alunos se machuquem dia sim, dia não,  com certeza traz a dúvida de que está sendo bem orientado durante a prática. O fato de ser um treino duro e intenso não justifica lesões constantes. Mas, claro, também não significa que os treinos marciais tenham que deixar suas práticas disciplinares, físicas e psicológicas, algumas vezes consideradas severas ou exaustivas, mas sim que sempre sejam realizadas com bom sendo pelos seus praticantes, respeitando o limite de cada um e desenvolvendo a técnica e não a brutalidade.

                Afinal, o bom guerreiro era sempre aquele que ia para a guerra e retornava são, salvo e pronto para a próxima batalha, com espírito e corpo em harmonia. 

KOAN

18/10/2011 12:11

 

De forma bem leiga, o Koan é conhecido como “enigma do mestre”, contudo Koan é um dos subterfúgios usados pelos Zen-Budistas para levar o praticante a meditação, propiciando a iluminação do aspirante.

Trata-se de uma frase, um diálogo, uma afirmação ou um questionamento que não pode ser compreendido pela razão, pois forma um paradoxo e tem função de incentivar  a reflexão. A tentativa de encontrar uma resposta ao Koan se torna o foco da meditação Zazen do discípulo, permitindo uma melhor concentração.

Os discípulos de Zen-Budismo recebem apenas um Koan escolhido pelo seu mestre conforme a personalidade do praticante. Após recebido, o discípulo meditará sobre o Koan durante anos a fio.

Quando um Koan é lançado, cada praticante alcançará várias resposta para uma mesma situação, mas nenhuma delas será totalmente satisfatória.

Em várias Artes Marciais tradicionais japonesas ocorre o uso de Koans, pois estão permeados pelo Zen-Budismo no seu processo histórico e, portanto no seu treinamento de concentração, respiração e meditação. Hoje em dia os Koan são poucos empregados e as vezes utilizados institivamente pelos professores para causar um momento de reflexão aos alunos e não mais como um processo longo de meditação.

Sobre esse aspecto, normalmente alunos de Artes Marciais e mesmo pessoas que não tem qualquer vínculo marcial, que não praticam a meditação, se sentem instigadas e incomodadas pelas perguntas, pois tem pretensão de dar uma resposta imediata, pontual e correta. Procuram assim aprovação de quem propôs o Koan para se satisfazerem no sentido de “solucionar o mistério”, como se fosse uma charada.

No entanto,  se decepcionam quando descobrem que, no final das contas, não há uma única verdade e que ninguém lhe dará uma opinião a respeito, nem mesmo quem fez a pergunta.

O efeito do Koan nos discípulos marciais aparentemente é de reconstrução justamente porque força a “não resposta instantânea”, cria-se então a desestabilização de seus conceitos e gera um exercício mental. Além disso,  para algumas pessoas que, além de lançarem respostas rápidas, defendem seu ponto de vista crendo que suas afirmações são mais corretas que as dos demais, o Koan se torna um exercício para o ego, para aqueles que precisam aprender a ver e ouvir, mais do que falar.

 

Alguns Koan:

 

  • “Qual é o som de uma mão a bater palmas?”
  • “Qual era a tua natureza original, antes dos teus pais terem nascido?”
  • “Qual é o som do silêncio?”
  • “Quem pensa que entendeu, se questiona;
    Quem pensa que não entendeu, questiona os outros;
    Quem entendeu, não diz nada;
    E quem não entendeu, também não diz nada!”
  • Depois de ter vencido duas vezes seu adversário, quantas vezes você venceu de você mesmo?
  • A forma mais sutil do ódio é o amor. 

 

Última Lição

17/10/2011 10:20

Discípulo e mestre caminhavam lado a lado, por um terreno acidentado, em direção a uma das mais altas montanhas da região. 

O aluno observava seu professor e relembrava várias das lições que havia tido com ele durante quase 20 anos de treinamento. Não só lições como os longos  dias de convivência, os momentos difíceis e doloridos, bem como os momentos alegres de festejo.

O discípulo caminhava em silêncio, seguindo seu mestre, mas com um pesar muito grande, pois sabia que aquele seria o percurso que lhe daria a chave da última lição a ser aprendida. Daí para frente, estaria só. Seu pesar já era de saudades e da falta que imaginava que iria sentir do seu professor, mas mais ainda, seu pesar era reflexo da sua insegurança perante o futuro. 

Quando o trajeto chegava ao fim, quase alcançando o topo da montanha, o discípulo não se conteve e disse:

- "Mestre... depois que chegarmos lá em cima, o que eu devo fazer?"

O professor parou um instante, encarou seu aluno e com um sorriso breve, de que a última lição já estaria concluída, revelou:

- "Depois que atingir o topo... continue sempre a subir." 

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Breve Comentário:

Sempre a alçar novos desafios, saber ser independente e continuar a aprender é o que todo professor devia ensinar aos alunos.

Aos mestres, feliz dia dos professores. 
 

O Conto do Gato do Saco

05/10/2011 09:49

Num antigo templo, o professor mais velho orientava a prática de meditação todos os dias, ao final da tarde. 

Num certo dia a meditação seria especial, pois seria a última que o mestre faria com aquele grupo, pois havia decidido partir para uma peregrinação nas montanhas.

Ao se acomodar para dar início a meditação, o mestre sentiu-se interrompido pelo miado triste de um gato que rondava a área. 

O mestre olhou para seus alunos e pediu para o mais graduado deles se aproximar. Falou de maneira a ser ouvido somente pelo rapaz:

"Procure o gato, coloque dentro de um saco e leve ele para a árvore mais distante do nosso templo.

Deixe-o amarrado lá até que terminemos a meditação, depois solte-o."

O discípulo atendeu prontamente ao pedido do professor, recolheu o gato, colocou-o dentro de um saco, amarrou na árvore mais distante e voltou para poder meditar. 

No dia seguinte, o mestre se despediu e saiu para sua nova empreitada, deixando para trás o grupo de alunos. 

Após quase uma década, o professor retornou e foi saudado pelos seus antigos alunos e por novos discípulos. Fez uma verdadeira festa no templo com a visita do mestre tão querido e, para confraternizar, pediram que ele orientasse uma das meditações. O mestre, muito satisfeito com o convite, se acomodou no antigo lugar que havia deixado há anos e quando foi iniciar o ritual, um dos alunos o parou:

"Mestre, só um instante... foram buscar o gato para prender na árvore!"

O mestre estranhou o pedido:

"Gato?"

O discípulo, afoito, comentou:

"Sim, precisamos de um gato dentro do saco, preso numa árvore para dar início a meditação, é o ritual..."

O mestre negou com um gesto simples de balançar a cabeça, como uma reprovação, levantou-se e silenciosamente partiu de novo para as montanhas.

 

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Breve Comentário: As Artes Marciais estão no limite bem sutil entre o real e o mágico. Muita gente confere as Artes Marciais, ou mesmo aos praticantes, elementos místicos e misteriosos, mas que na verdade tem uma explicação muito mais simples, real e objetiva do que possa se esperar. Além disso, alguns costumes são transmitidos sem ser explicados e algumas vezes são feitos de forma mal compreendida. A grande mágica está em fazer o que é simples ser fantástico, sem perder sua simplicidade e sua veracidade.

  

 

 

Ninjutsu: Mulheres nos Treinos

30/07/2011 14:23

        Da mesma forma que diversas Artes Marciais, no Ninjutsu as mulheres treinam em horários mistos. Contudo, nas Artes Marciais de Desporto, quando em competição, restrigem tanto as mulheres quanto os homens aos combates levando em conta o gênero, idade e estatura, de forma a manter a competição justa e equivalente a composição física. Essas medidas são adotadas para determinar a(o) competidor(a) com melhor  técnica e preparo físico. Entretanto numa situação de agressão, defesa pessoal ou guerra, tais regras simplesmente não existem e os combates físicos ocorrem entre estaturas, sexos e preparos desiguais, sendo situações essencialmente de sobrevivência.

Historicamente a maioria das Artes Marciais foram concebidas pelos homens para os homens em guerra, entretanto com o passar do tempo ou da necessidade, as mulheres se inseriram também nesse meio. Durante o processo histórico de diversas nações é comum encontrar nomes de mulheres que lutavam em guerras e algumas que sobressairam como guerreiras. Ainda assim, como as técnicas concebidas foram feitas pelos homens, elas estão vinculadas ao tipo físico e características masculinas, sendo que dessa forma, as mulheres que se dispunham a aprender tais técnicas de combate terminavam por tentar se adaptar para conseguir executá-las com eficiência, ou seja, as técnicas serviam para qualquer um dos sexos, contudo nada tinham a ver com a natureza psicológica e física das mulheres.

O Ninjutsu, como prática de guerra, ao invés de permitir que as mulheres aprendessem e se adaptassem apenas as técnicas e especializações comuns aos homens, também conseguiu enxergar as vantagens que as características femininas dariam a uma ação ou missão. Dessa forma, surgiu uma especialização no Ninjutsu aplicado pelas mulheres, o Kunoichi Jutsu e, este, passou a incluir as vantagens femininas ao combate, não igualando-as com os homens, mas somando a força dos mesmos, tendo-as como um diferencial para o êxito durante uma ação de guerra. 

Assim, o Ninjutsu além de manter os treinos mistos, adiciona ao treinamento das mulheres não só o ciclo fundamental de técnicas armadas e desarmadas, mas também o Kunoichi Jutsu, sendo esse, um diferencial perante a natureza das Artes Marciais fomentadas hoje em dia.

No Sho Kumo Ryu Ninjutsu não se faz diferente, o ciclo fundamental de técnicas armadas e desarmadas (Mokuroku) perfazem cerca de 10 anos de aprendizagem, incluindo treino físico, psicológico e filosófico. Nesse Mokuroku as mulheres treinam da mesma forma que os homens, os mesmos exercícios e especializações, sem distinção.

Quando atingem o desenvolvimento e amadurecimento marcial necessário, adiciona-se o ensinamento do ciclo básico Mokuroku Kunoichi iniciando no diferente trabalho de exercícios físicos, aprendizado do Geijutsu (Artes Clássicas) como a Cerimônia do Chá, Odori e o Ikebana, até especializações mais avançadas.

 

(Fonte: Kunoichi, mulher ninja - Simone Mogami)

KUNOICHI - Mulher Ninja

30/07/2011 14:21

 

             Kunoichi, na linguagem antiga dos Ninja, era a palavra usada para referir-se a mulher Ninja. Na verdade, o termo era utilizado quando se empregava uma mulher para executar uma missão na qual seria utilizado o Ninjutsu, dizia-se então “técnica da mulher Ninja” ou Kunoichi Jutsu.

Kunoichi é a fragmentação do kanji de mulher, não tendo significado próprio, formando uma espécie de código. Atualmente alguns escritores ao invés de usarem os caracteres hiragana, katagana e kanji significando a palavra Kunoichi, passaram a utilizar os ideogramas Onna Nin, dando referência literal de “mulher Ninja”. Essa forma de escrita, por elucidar claramente o código sem significado aparente, não carrega a essência do termo, pois se imaginarmos que o termo Kunoichi era uma mensagem secreta, para avisar que a ação não seria executada por um homem, mas sim com técnicas femininas, ao dar-lhe significado direto, a missão tenderia ao fracasso.

 

くノ一        

Kunoichi                       Onna  Nin

 

Outra interpretação tem como referência os orifícios encontrados no corpo humano. Nos homens, são nove orifícios: olhos, narinas, boca, ouvidos, umbigo e ânus. Como a mulher possui mais um orifício, a palavra Kunoichi seria a união dos sons que dariam o significado de que o agente era uma mulher: Ku-no-ichi, ou seja, “nove e um” ou “nove mais um”.

O único registro histórico de uma Kunoichi está atrelado ao nome de Chiyome Mochizuki, uma mulher que seria originária da região de Koga e que esposou Moritoki Mochizuki. Quando seu marido foi morto em guerra, Chiyome Mochizuki fortaleceu Takeda Shingen montando o Kai Shinano Miko do Shuren Dojo, em que formava, de forma disfarçada, um grupo de guerreiros invisíveis aos olhos dos homens: as Aruki Fujo, o grupo de mulheres treinadas no Kunoichi Jutsu. 

Popularmente as Kunoichi são relacionadas com a arte da sedução, mas é preciso atentar que a sedução era apenas um dos subterfúgios que poderiam ser lançado para que ela

alcançasse sua missão.

A forma com que se ressalta o uso das técnicas Kunoichi concentradas apenas na sedução é uma visão ocidental distorcida sobre as características femininas e sobre a vida oriental. Se a Kunoichi fosse restringida apenas ao uso do sexo, não teria sido necessário haver mulheres especializadas e treinadas por anos a fio em tantas habilidades quanto às técnicas Ninja sugerem.

Assim, apenas o ato de sedução ou da atração sexual seria o suficiente para coletar informações ou realizar missões, dentro dessa concepção, por que se treinar por anos uma mulher, se seria possível usar uma prostituta para realizar o mesmo serviço?

A Kunoichi estava sempre preparada tanto para o uso de habilidades pertinentes às mulheres, como também para o combate corporal e armado comum aos homens. Embora tivessem muitas peculiaridades, o seu aprendizado do Ninjutsu era igual ao dos Ninja, mas sua mente, tipo de estratégia e vantagens, obviamente eram diferentes.

As mulheres Ninja, além do Yuwaku no Jutsu (técnicas de sedução), eram treinadas também em Doku no Jutsu (técnicas de envenenamento), Henso Jutsu (técnicas de disfarce), no conjunto de armas e instrumentos próprios ao gênero feminino e ao seu comportamento, como por exemplo, o combate adaptado às suas vestimentas (pesados Kimono), adereços e aos seus calçados (zori ou geta). Mais que isso havia também treino físico para combate corporal, Kunoichi Tai Jutsu, que diferenciava e adaptava as práticas e estratégias do Shinobi Tai Jutsu (combate corporal do Shinobi).

A sociedade japonesa, nitidamente machista, não atribuía às mulheres qualquer tipo de periculosidade, sendo sempre tidas como o gênero delicado, incapaz de grandes atos de violência e geralmente subestimada mesmo em tomadas de decisões simples, como registrado no livro Onna Dai Gaku (livro de regras e etiqueta da mulher japonesa). Mais que isso, quando destoantes da sociedade, estando fora de seu papel tradicional, por vezes eram abandonadas, direcionadas ao suicídio, conventos ou tidas como doentes mentais. Essa concepção machista permitia que as mulheres pudessem manipular situações, se deslocar transitando por diversos locais e se inserir em contextos nos quais um homem jamais passaria despercebido.

A forma de agir e pensar entre homens e mulheres possui suas distinções e essas também eram levadas em consideração durante o treino de uma Kunoichi. Não só isso, a educação dada a mulher japonesa também deve ser considerada, como por exemplo, as meninas eram educadas essencialmente a não demonstrar seus sentimentos e suportar qualquer tipo de evento emocional de forma paciente, complacente e subserviente. Dessa forma, o treino psicológico e emocional também eram conduzidos dando ênfase as peculiaridades femininas.

Sendo assim, as Kunoichi eram enviadas em missões de subtração de informações, de espionagem e de combate indireto, pode-se falar em combate “invisível”. Invisível, pois agiam disfarçadas como feiticeiras, cantoras, dançarinas, camponesas, serviçais, artistas e, para tanto, treinavam constantemente habilidades ligadas aos disfarces, bem como aprendiam regras de conduta e técnicas de envenenamento. O treino de uma mulher era claramente com o objetivo de formar uma guerreira espiã habilidosa fisica e psicologicamente para encaminhar missões por meses e até décadas mantendo-se fiel ao seu objetivo.


  (Fonte: Kunoichi, mulher ninja - Simone Mogami)

Tradição Kuden, Okuden, Hiden e Kokoro kara Kokoro

20/07/2011 09:50

Inicialmente, como a maioria das civilizações, os japoneses possuíam a linguagem oral, mas não os símbolos para representá-los. A partir do contato com a cultura chinesa, posteriormente, no período Nara e Heian, os japoneses passaram a desenvolver a escrita e iniciaram a produção de textos que se tratavam de registros da palavra oral. No entanto, além desses manuscritos serem escassos e, especialmente, pelo próprio traço cultural, o Japão desenvolveu fortemente a tradição do Kuden (口伝 – transmissão oral), ou seja, o ensino e a aprendizagem transmitidos pela oralidade por meio de histórias, contos, teatros, lendas, simples conversas, passeios e outras expressões corporal e oral que comunicassem fatos, valores e costumes sociais.

            A transmissão de conhecimentos pelo Kuden era resultante da sabedoria da prática, da experiência daquele que passava o ensinamento, muitas vezes, lembrando que essa experiência remontava gerações e gerações de antecessores, mais que isso, que o ensino oral para novos discípulos, manteriam as tradições e o conhecimento vivo.

            Quando o mestre transmitia o conhecimento em Kuden, o discípulo deveria se sentir honrado e guardar o ensinamento como algo de grande valia. Ao discípulo, cabia ouvir e tentar compreender. Dessa forma, o mestre podia escolher quando, como e para quem ensinar. O Kuden permitia um controle do que era ensinado e para quem era ensinado, o que, em vários momentos da história japonesa, se tornou importante para manter em segredo o que não podia cair em mãos erradas, sejam eles, adversários políticos e/ou guerreiros, impedindo que esses pudessem conhecer e estudar os intuitos ou técnicas de combate de um determinado grupo.           

De forma mais subjetiva, existe também o termo Okuden (奥伝 – transmissão interior), usado para transmissão de ensinamentos por meio de documentos e referências sobre o caminho do discípulo (Ryusha). O mestre concedia o ensinamento Okuden ao discípulo de sua maior confiança, naquele que poderia transmitir os conhecimentos mantendo-se fiel à tradição.

Isso retrata claramente a importância do contato e do convívio com o mestre, experiência que nenhum manual, apostila, site, post em orkut ou livro trará ao discípulo. Ainda porque a compreensão dos ensinamentos varia de pessoa a pessoa e isso faz com que, nas artes marciais, as técnicas se tornem dinâmicas a um ponto que em menos de seis meses surjam tantas variações da mesma técnica que não se saiba mais qual era a fundamental (por isso a importância do ensinamento com respeito a tradição e a importância do mestre).

Além disso, é importante dizer que o imenso fluxo de informações que existe hoje em dia atrai e permite que as pessoas façam uso dos conhecimentos da forma que melhor convier, muitas vezes distorcendo e manipulando, em especial na internet, quando uma simples palavra, por melhor que seja a sua intenção, pode se transformar numa bola de neve de grandes proporções.

Há ainda o Kokoro kara Kokoro”, ou seja, “transmitir de coração a coração” utilizado pelos mestres quando entendem que o discípulo não precisa de palavras para compreender, são lições silenciosas. Transmitir de coração para coração é utilizado em diversas Artes Marciais tradicionais e também em Artes Clássicas como o Ikebana e o Chado, em que o aprendiz incialmente repete os movimentos do professor de forma mecânica e aos poucos desenvolve sensibilidade para enxergar o que não pode ser visto sem o mínimo de experiência, observação e harmonia com o mestre e com a arte. Essa é a forma mais pura de se ensinar tradicionalmente, pois são ensinamentos que podem ser transmitidos somente por quem compreendeu e para aquele que deseja compreender, bem como manter viva essa tradição.

 

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